A tragédia na Boate Kiss que deixou 242 vítimas fatais e mais de 600 feridos completou 10 anos. O incêndio levou a debates intensos sobre fiscalização de medidas preventivas e de combate ao fogo em casas noturnas e estabelecimentos similares. A Lei Kiss (Lei 1.3425/2017) foi aprovada no Congresso Nacional para unificar regras para estados e municípios, definindo competências e responsabilidades sobre a segurança em casas de espetáculos.
A gestão de segurança contra incêndio se baseia em alguns pilares fundamentais e o primeiro deles é o monitoramento constante dos riscos. Na boate Kiss há uma série de fatores que foram ignorados, como:
1º A colocação de espuma sem proteção de material anti-inflamável, que chamamos de ignífuga;
2º A utilização de material pirotécnico para efeitos especiais sem uma avaliação de risco;
3º Não ter uma brigada e equipamentos adequados de acordo com essa avaliação de risco;
4º Não seguir a lotação máxima do local. A boate estava com lotação bem acima da sua capacidade máxima projetada, sendo esse, na minha opinião, um dos principais fatores de morte. Era previsto 691, mas havia mais de mil pessoas, segundo os bombeiros militares do RS.
5º A forma de fiscalização do poder público e a falta de preparo na resposta a esse tipo de evento. Nas imagens de época, via-se claramente que os bombeiros militares não tinham equipamentos adequados para o combate, bem como não foi adotado nenhum protocolo de gerenciamento de incidentes.
O segundo pilar da gestão de segurança contra incêndio é o monitoramento de disponibilidade dos sistemas de proteção. O sistema de incêndio, embora esteja ativo, não funciona como uma máquina produtiva, ou seja, estamos olhando para ele, mas não sabemos se vai funcionar quando precisarmos. Por isso, uma série de inspeções, testes, manutenções preventivas e preditivas precisam ser feitas para garantir o funcionamento tempestivo e assertivo, e geralmente essas práticas estão em normas internacionais ou recomendações de seguradoras e gerenciadoras de risco, também internacionais. No Brasil, nós ainda engatinhamos nisso, não temos regras de monitoramento e de disponibilidade de sistema.
Na boate Kiss o único equipamento que tinha para o combate a incêndio eram os extintores e eles não funcionaram, porque faltou uma inspeção e manutenção adequada.
O terceiro pilar é a preparação para emergência, que é fazer a avaliação dos cenários possíveis. A boate Kiss não tinha um plano de evacuação adequado, não tinha brigadistas voluntários – pessoas que trabalham em outras atividades, mas que possuem treinamento de prevenção e combate a incêndio – e não tinha bombeiros civis, que são brigadistas profissionais.
Falando em capacitação, a preparação dos brigadistas no Brasil é muito deficiente. Não acredito que um treinamento de 8 ou 16 horas por ano, aplicado uma única vez, seja suficiente para que as pessoas tenham preparo, a “memória muscular” para combater o incêndio. É necessário ter continuidade. Todas as pessoas deveriam ter treinamentos mensais, de alguns minutos, mas constante.
O que nos leva ao quarto e último pilar, o ensino de aprendizagem continuada, que está vinculado à questão do preparo das pessoas. Todo mês você tem que ter um treinamento, uma orientação, mesmo que seja de 15 minutos, como por exemplo ativar um acionador manual, ligar para emergência, utilizar um extintor para combater princípio de incêndio, etc.
O que mudou nas regras de segurança e tecnologia desde a tragédia da boate Kiss?
Houve avanços significativos, mas não efetivos. O maior deles foi a publicação da Lei Federal nº 13.425, de 30 de março de 2017, que foi batizada como Lei Kiss. O projeto de lei tinha a finalidade de prever ações para boates, mas acabou ganhando maior abrangência, cobrindo edificações e estabelecimentos com grande reunião de público.
A Lei tem dois efeitos principais, o primeiro é que ela é a 1ª lei nacional de segurança contra incêndio no Brasil. As legislações são regionalizadas, mudam de estado para estado, e essa foi a primeira lei nacional, e o primeiro ponto que ela dá é que atribuiu responsabilidade compartilhada entre município, corpo de bombeiro e proprietários das edificações, reafirmando que todos são responsáveis por incidentes. Com base nesse conceito é que os réus da boate Kiss estão sendo julgados, acusados por dolo eventual, o tipo de homicídio que a pessoa conhece o risco e o assume caso algo aconteça, embora eles aleguem que não sabiam do perigo.
O segundo efeito é que a lei finalmente deu força ao bombeiro militar de regulamentar e fiscalizar, porque ele não tinha essa possibilidade, dependia muito do município para poder fiscalizar, e essa lei deu poder de polícia (de estado) para os bombeiros militares.
Em termos de tecnologia pouco avançamos, infelizmente, a segurança contra incêndio não se antecipa às mudanças tecnológicas. Novos materiais e suas aplicações têm provocado incêndios com comportamentos diferenciados. Os avanços que ocorrem no mundo nem sempre são acompanhados no Brasil, onde existe uma barreira de entrada das novas soluções. Tive a oportunidade de conhecer soluções certificadas na Europa, Rússia, Coreia do Sul, Estados Unidos, que quando chegam aqui, os projetistas as deixam de lado, pelo fato de não serem regulamentadas pelos bombeiros militares.
Na linha de gestão de segurança contra incêndio, considero o Firelab, assim como algumas plataformas tecnológicas, um importante avanço para a prevenção de incêndio. Mas, em termos de tecnologia de combate, entendo que não avançamos. Acredito que o único legado positivo que teve foi a Lei Kiss, que vai ser um grande divisor de águas no país, quanto à imputação de responsabilidade.
O Brasil precisa aprender a exercitar os conceitos de gestão em segurança contra incêndio.
A HELP é uma empresa especializada em Sistemas de Prevenção e Combate a Incêndio. A HELP é cadastrada no CREA e conta com uma equipe especializada para te ajudar da melhor forma possível. Caso queira saber mais sobre, ligue para (16) 3630-6058 / (16) 99135-1242 ou clique aqui e entre em contato por e-mail.